quinta-feira, 22 de março de 2012

Carta aberta do meu coração...

Aos Caríssimos Irmãos no Sacerdócio de Cristo,
Aos Caríssimos Religiosos e Religiosas,
Aos Caríssimos filhos Seminaristas,
Aos Caríssimos filhos e filhas do Povo Santo de deus;

Ao celebrar os cinquenta anos da minha consagração sacerdotal, sinto o desejo de tornar-lhes participantes desta recorrência através de um escrito, a fim de que os sentimentos e as reflexões fiquem mais profundamente gravados na sua mente e no seu coração.
Antes de tudo peço-lhes que se unam comigo num grande hino de louvor e agradecimento ao Pai, por me ter chamado a participar do Sacerdócio de Cristo e da sua missão messiânica.
O que eu fiz para merecer esse dom? Não é por espírito de humildade se afirmo: "nada". Era um jovem, e um jovem como todos os demais, aliás, muitos da minha idade eram melhores do que eu, por inteligência e por virtude.
Ele simplesmente olhou para o meu nada e me chamou. Não ouvi vozes, não fui impelido por fatos extraordinários que me subjugassem; não.
Terminado o curso filosófico tive que parar para tomar uma decisão definitiva na minha vida. Nesses dias de calma e silêncio aconteceu algo extremamente simples e ao mesmo tempo maravilhoso.
Pela primeira vez vi a minha vida numa visão unitária e completa. Vi claramente que havia um fio que unia tudo, que perpassava cada quadra e cada dia da minha vida. As coisas bonitas e as tristes, os meus dotes e os meus pecados, deixavam-me entrever numa clara presença de Deus que me tinha preservado, protegido, conduzido no caminho certo.
E mais, ainda, voltavam a ter um sentido as inclinações, os desejos, as opções fortes de doação, de aventura missionária da minha adolescência, e o deslumbramento dos horizontes filosóficos que se abriam diante de mim quando, deitado de costas, na relva dos prados montanhosos pensava em Deus, na Trindade e em Jesus.
Agora me parecia que tudo tivesse sido edificado, e como que fluidificado em mim para sussurrar uma fase simples, mas misteriosamente grande: "Adélio, gostaria que tu me seguisses, que tu fosse sacerdote comigo".
Meus caros, quando se formou em mim esta convicção, eu não achei no meu coração outra coisa, senão as palavras: "Sim". E, "Sou feliz de seguir-te, Jesus."
Foi tudo muito comum o que aconteceu depois. Dediquei-me à escola do meu Santo Fundador, São João Calábria; fiz o noviciado; os estudos teológicos; e, enfim veio à ordenação sacerdotal. Ordenação Sacerdotal de exatamente 50 anos atrás.
Entrou em mim como um fogo e uma cruz
Daquele dia recordo quase nada, porque Deus quis que descesse sobre mim uma espécie de nuvem que me envolvia.
De todos os lados chegavam ao âmago do meu ser duas frases: "Agora tu és sacerdote de Cristo" e a segunda:"Perseverarás?" "Continuarás feliz?".
Havia escolhido uma congregação religiosa nova, exclusivamente dedicada aos pobres para que o mundo acreditasse que Deus é Pai.
Dom Calábria não deixava passar uma ocasião para nos repetir: "Tudo isso exige santidade e santidade verdadeira. O mundo está cansado de ouvir palavras; quer ver fatos". Tudo isso era para mim m grito e não só um apelo.
Eu queria, mas o meu querer teria sido real, verdadeiro, incondicionado e radical.
O fogo se apagou e a paz voltou quando o Espírito me fez ver entre as nuvens obscuras o pai. Sim. o Pai do Céu, o Pai Fiel, o Pai misericordioso, Aquele que tinha marcado e construído em mim o futuro sacerdote. Não me teria abandonado, aliás, teria me levado pela mão. Descobri que para mim todo problema seria solucionado, deixando-me conduzir pela mão, sem nunca perguntar-lhe: "Aonde me conduzes? O que será de mim amanhã e o ano que vem? Que farei?".
Eu o segui. As vezes bem, acredito; às vezes não muito bem, disso estou certo.
Com Ele passei três anos como superior e formador na Itália. Com Ele fui, por três anos, missionário itinerante no interior do Uruguaio. Também, com Ele, trabalhei quase oito anos nas favelas e no centro de formação profissional em Porto Alegre, alternando o anúncio da Palavra de Deus com as aulas de matemática e tecnologia aos adolescentes e jovens das favelas na"Calábria".
Com Ele, a convite dos meus superiores, fui a Londres para aperfeiçoar o meu inglês, onde fiquei alojado numa casa de um casal de trabalhadores: ele motorista e ela lavandeira. Com Ele, aceitei de implantar uma comunidade em Pamplona, na Espanha. Com Ele, finalmente, aportei na África para dirigir uma escola técnica em Aldo-Ekiti, cidade loruba da Nigéria.
Este Deus que me levava como eu costumava dizer: "No estilo do vagabundo do Reino", um belo dia me fez voltar à Itália para o capítulo geral da Congregação, para isso eu havia sido votado e Ele quis que eu fosse eleito Superior geral da minha Congregação"pobres Servos da Divina Providência".
Durante Doze anos vi-me chamado, por Ele, a continuar a missão de Dom Calábria: viver e ajudar a viver o "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e o resto ser-vos-á dado por acréscimo".
Não foi tarefa fácil, mas Ele no barco e mão no leme, fez-me chegar até o fim para depois me devolver ao Brasil.
Deixou-me, mas ou menos, dois anos em relativa paz, e depois, através do amado e Santo João Paulo II, apontou-me Quixadá como nova casa, nova família, para exercer o cargo de Bispo. No dia 29 de maio de 1988 cheguei aqui e aqui estou, agora, para celebrar as misericórdias de Deus no quinquagésimo aniversário daquela memorável ordenação sacerdotal na Catedral de Ferrara pelas mãos do Arcebispo Mosconi.
A vocês, queridos irmãos, a vocês, sobretudo, queridos jovens, como poderia resumir esta experiência com Ele?
Ele foi bom demais!!! Fez tudo o que um Pai, um amigo e um irmão poderia fazer.
Estou deslumbrado diante do seu saber esperar; diante da sua misericórdia, da sua providência e das ocasio~es que me ofereceu para, junto com Ele e seu filho Jesus, servir aos pobres, evangelizar e acolher os pecadores e prostitutas; erguer os caídos e fazer despertar a felicidade nos corações esmagados. Eu não era digno, mas Ele me fez participante, muitas vezes, da cruz salvadora de Cristo.
Fez-me mestre-artesão de milhares de meninos de rua e com eles caminhei, mãos sujas de graxa, até eles chegarem a ser grandes e andar com suas pernas neste mundo de Deus.
Atrás de uma cátedra, tive que lecionar para adolescentes e jovens a Filosofia e a Teologia. Diante de mim havia meninos de rua e, como na África pagã, administrar aulas para protestantes e mulçumanos. Senti-me, com todos, sempre muito bem, porque atrás de qualquer verdade está sempre Ele, a verdade Eterna. E quem aprende a verdade, de algum modo se aproxima dessa verdade.
Aqui e acolá vejo pedaços de tempo dedicados à liturgia, à pregação, aos colóquios do espírito, e ao estudo.
Tudo foi bom. As queixas, todas as dirijo só a mim: poderia ter feito mais e melhor. Muitas vezes ouvi as mesmas perguntas: "Dom Adélio, o senhor se sente feliz? Com todas as peripécias da sua vida, o senhor voltando aos seus vinte anos, diria ainda sim a Deus? Tomaria o mesmo caminho?". Nunca precisei de tempo para responder a estas perguntas e nunca menti. Minha resposta sempre foi: "Sinto-me feliz e privilegiado pelo Amor de Deus; e repetiria mil vezes o meu SIM".
Esta confissão parece-me importante, sobretudo para os jovens que devem escolher o rumo da sua vida. Gostaria de dizer a todos, rapazes e moças, "Não tenham, medo de seguir a Jesus se Ele os chama". Oh, como é belo seguir a Cristo e amá-lo como pessoa viva. Por causa da nossa vida Ele entregou a sua à morte, pela sua palavra, pela sua amizade e grande misericórdia. Como é belo ser enviado pelo Pai, com Jesus, para evangelizar e servir aos pobres.
Ao Sacerdote, ao Consagrado é dada de modo especial a graça, o dom, de poder ser o Bom Samaritano que levanta do chão o ferido e o esmagado pela dor, pela maldade e pela injustiça. Ao sacerdote é dado o poder de quebrar as correntes e as algemas da escravidão do pecado. Ao sacerdote é dado o poder de consagrar o pão e o vinho e alimentar o Novo Israel com este divino maná. Um padre que vive na fé o seu sacerdócio não pode se sentir inútil, vazio, só e triste.
Éramos dez irmãos, mas quem teve na vida, como homem e como cristão, a possibilidade de servir a Deus e aos pobres fui eu; só pelo fato da vocação sacerdotal ter me separado para ser todo pelo Reino e poder trabalhar 24 horas por dia por Ele?
Jovens, no meio de tantas propostas que o mundo lhes faz, sejam inteligentes para entender a proposta de Cristo Jesus, e se, por um ideal humano estamos dispostos a dar a vida, tanto mais estejamos prontos para abraçar um ideal que é humano e divino ao mesmo tempo.
Este aniversário coincide quase com o mesmo dia em que se completa o tempo, segundo o Código de Direito Canônico, da minha missão de Bispo de Quixadá. Se afirmei, que a minha vida foi um caminhar com Deus, um ser conduzido por Ele de mãos dadas, tanto mais devo dizer destes dezessete anos que passei com vocês, na amada Diocese de Quixadá.
Tudo na minha vida, disse, foi determinado pelo Pai, porém o chamado ao serviço de Pastor e Sucessor dos Apóstolos, constitui algo completamente excepcional.
Ser bispo não é exercer uma função, embora o bispo deva cumprir muitas funções. Ser bispo é ser tomado pelas mãos do Pai e nelas ser ungido e feito realmente sucessor dos Apóstolos com o seu poder, com a sua missão de construir o Reino, apascentar o povo de Deus e guiá-lo para a Pátria definitiva, pela obra e força do Espírito Santo.
Como o homem, banhado pela água do batismo, torna-se filho de Deus e herdeiro do Céu, assim o cristão sacerdote se torna, pela graça transformadora do Espírito Santo, outro Pedro, ou João, ou Tiago, enfim, um dos Apóstolos para a Igreja de hoje.
A santidade pode ser diferente, mas sua função é a mesma, e para que isso seja possível o bispo é consagrado pelo o Pai de todo o dom perfeito, deve dar a vida divina aos homens, através do Espírito transformador, que o habilita para isso. E será que existe alguém que atribui a mim o que pude fazer durante estes dezessete anos? É tão evidente que foi Ele que tudo fez que me causa surpresa quando alguém diz: "o senhor fez isto ou aquilo". Eu só fui um instrumento, e nem sempre dócil e bom. A causa e o verdadeiro autor de tudo foi Ele. E é a Ele que eu agradeço e quero amar com gratidão, louvando-O e bendizendo-O.
É a Ele que peço, meus irmãos, a graça de nos unirmos no mesmo hino de louvor e gratidão. Como também é a Ele que peço para dirigir comigo um pedido sincero de perdão por todo pecado, omissão e incorrespondência.
Ele, o Pai, Ele, Jesus, Ele, Espírito Santo de amor. Eles são o tudo, mas Eles mesmos quiseram uma mãe como a deram a vocês: a sempre Virgem e Santa Maria.
Assegurando-me pela mão, levou-me a Maria e pediu-lhe para assegurar a minha outra mão. Só no Céu verei claramente o que significou a presença de Maria em minha vida. Agora só vislumbro algo, um véu me separa dela, e sendo ela sombra do Altíssimo, tenho a certeza de conhecê-la pouco, de amá-la pouco, se reflito no que ela é e merece.
Mãe de Deus e mãe nossa, estamos na praia de um oceano imenso que não podemos conter, ficamos a olhar e a contemplar. Talvez repetindo mais vezes as preces e orações que a minha mãe da terra me ensinou, chegue a conhecê-la e amá-la mais.
Na espera de ser recebido por ela no Céu e apresentado ao Pai, de mãos dadas, peço que também a ela apresentem as suas súplicas por mim, e meus agradecimentos.
Ao concluir esta carta que lhes dirijo, como a filhos caríssimos, cabe-me lhes pedir perdão por tudo o que não receberam de mim, na ordem sobrenatural e humana.
Perdão também se feri a alguém, até inconscientemente. Perdão se não refleti na minha vida, a Palavra e as obras de Jesus, do qual fluíram, como água santa, o meu sacerdócio e missão.
Perdão aos pequenos e aos pobres se não consegui enxergar tantas lágrimas, e curar tantas feridas.
Sei que com a força do Espírito Santo e a ajuda de Maria poderia ainda melhorar. Me ajudem.
Invoco sobre todos vocês a benção santa e poderosa de Deus e a proteção da nossa querida mãe Maria, a Rainha deste querido Sertão.

Dom Adélio Tomasin

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